sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Peúga branca

Noutros tempos, quem participasse num exame, fazia-o de casaco e gravata e não se queixava. Era a moda – ou a imposição – mesmo que o suor escorresse em fio pelo rosto, pois ar condicionado era coisa por inventar cá por estas bandas. Outra postura era falta de respeito pela dignidade do acto.
Hoje, consoante a temperatura e o estado de espírito, despe-se cada qual o mais que pode. Impedi-lo é falta de respeito pela dignidade de cada um.
Noutros tempos as mulheres queriam-se fortes, as pernas grossas para suportar o peso da vida, ancas largas que abrigassem os filhos por nascer, pescoço robusto que suportasse firme o cântaro da água, o alguidar da roupa ou o molho da lenha, seios desenvolvidos tidos como garantia de que aos filhos não faltaria o leite. Não fosse assim e suportariam o epíteto de “pau-de-virar-tripas” e como consequência o casamento podia não passar de miragem.
Hoje, a moda impõe pouca carne e fazem-se todos os sacrifícios para que a semelhança da rapariga se aproxime mais do pai do que da mãe em matéria de estrutura corporal. E é vê-las, quando um arredondar de formas lhes dá, porventura, mais beleza, preocupadas em encontrar a fórmula de pôr o osso quase à vista.
Vivemos, alguns de nós, a época em que o cabelo dos homens não deveria tocar nas orelhas. Depois, foram outros os tempos, e bonito eram as guedelhas e a barba numa promiscuidade que não permitia saber onde começava o couro cabeludo e terminava a pilosidade do rosto. Agora abundam as carapaças rapadas e lustrosas. E pensar no sofrimento causado pela acção da máquina zero quando na tropa, um pé em falso, impunha “uma carecada”.
Há cerca de quarenta anos, num daqueles ataques fulminantes característicos de todas as modas, fomos forçados a pôr de parte as calças que tínhamos, porventura guardadas para acto cerimonioso, para passarmos a usá-las à “boca-de-sino” que é como quem diz, alargadas a partir do joelho para acabar a cobrir totalmente o sapato, Proporcionavam um movimento oscilante, como se levássemos umas vassouras dependuradas a partir de entre-pernas. Magnífico!
Consoante os ditames da moda, as mulheres ora repudiaram o fato curto tapando-se até ao tornozelo, ora se contrariaram fazendo encolher a saia até latitudes inimagináveis algum tempo atrás. E sempre dando como ridículo o modelo anterior.
Nesse sobe-e-desce, alarga-aperta, tapa-e-destapa, cada vez é maior o espaço à vista. E sempre na moda.
Uma geração atrás, rapaz de camisa às flores ou berloques no pescoço arriscava-se a comentários pouco abonatórios. Era a moda disfarçada de decoro, e os homens queriam-se feios e a cheirar a macho.
Hoje ditam que está fora de tempo rapaz que use calça vincada e colarinho engomado e não aveze dois ou três penduricos agrafados nas orelhas, nas sobrancelhas ou, algures em ponto mais recôndito, e não seja consumidor da última novidade em água-de-colónia e gel hidratante e com passagem por instituto de beleza.
Os bons costumes e a moral ensinavam que às meninas não se tocava com um dedo. Elas eram as futuras mães, as esposas dedicadas, as irmãs sempre presentes, a pureza feita gente. Por serem sérias os seus ouvidos não ouviam; por serem puras os seus lábios não emitiam palavrão; por serem castas ruborizavam ao mais leve galanteio. Hoje manda a igualdade que utilizem a mesma linguagem desbragada dos rapazes, que os persigam como era apanágio deles, que os conquistem se eles tardam em mexer-se, atirando para trás das costas o medo, o preconceito, os olhares críticos de quem é de outro tempo.
É assim: chegada uma moda, seguimo-la subservientes, convencidos, de novo, que agora é que está bem. E rimos sempre da triste figura que fizemos na observância da anterior. Mais tarde a coisa repete-se.
Vejamos: décadas atrás comprámos peúgas brancas, marca e moda daquela época. Rapaz com brio sentava-se e puxava ligeiramente a calça de modo que o imaculado branco da peúga pudesse ver-se, evoluindo a partir do sapato. Em feiras e mercados comprámos peúgas aos molhos, pois a delicadeza da cor não permitia uso prolongado Mas logo teriam que vir os timoneiros dos usos dizer que meia branca em pé de homem era uma vergonha.
Cumprimos o ditame e saltámos do branco para o preto porque também nós, achámos este mais digno da postura masculina. E fizemos anos de peúga preta.
Agora, quem sabe disto, vem de novo dizer que, afinal, não há como a peúga branca. Com calça ou calção, de robe ou em cuecas, a peúga branca é a garantia da limpeza: ou está branca ou está suja.
Vai valer-nos os maços que temos ainda acumulados nas gavetas das antiguidades, porque tivemos pena de desfazer-nos delas. E, pelo sim pelo não, vamos guardar as pretas nas mesmas gavetas.

4 comentários:

Cláudia Sousa disse...

Há que ser criativo e sentir-se confortável...

José Félix disse...

Bom! O Luís Sepúlveda diz que "escreve porque tem memória".

Vá escrevendo. Vá trazendo essas memórias para conhecimento de muitos.

Abraço

José Félix

Luis Ferreira disse...

Conheça também "outras visões", sobre Tomar e sobre o Mundo, no meu blog Vamos por Aqui.

Antecipadamente grato
Luis Ferreira

João Villalobos disse...

Gostei da visita. Obrigado pelo envio do link e abraço