domingo, 10 de agosto de 2008

O dinheiro para a mobília

Estava-se nas vésperas do casamento. Havia pouco com que festejar, mas o entusiasmo pelo dia que aí vinha, não era menor por isso.
Não era preciso acabar, à pressa, casa nova, mas importava embelezar, até onde era possível, a velha, que receberia os noivos. A azáfama era grande e o tempo, em tais alturas, sempre escasso.
A boda far-se-ia em casa da mãe. Já se faziam anunciar banquetes em bons e caros restaurantes, mas os meios não permitiam sonhar tão alto. Os convidados não eram muitos e também não estavam habituados a festejos de muito requinte. Era a família, a qual bem sabia quanto sacrifício a festa custava, não obstante a alegria com que se fazia.
Naquele tempo era assim. Na minha boda, como na de muitos mais, limitávamo-nos ao que havia; por mim cheguei onde consegui chegar.
A casa era modesta e o recheio ainda mais. Mas não importava; para nós, valia o mesmo. Evitara aventuras e despesas que não saberia como pagar. Ainda assim, o homem que me vendera a escassa mobília, pusera-me à vontade para que só lhe pagasse depois do casamento, e eu aproveitei a oferta. Era cerca de cinco contos e o dinheiro ficaria lá em casa a aguardar a passagem da festa. Nunca se sabia se iria surgir alguma necessidade.
No frenesim da arrumação da casa de onde iria sair dois dias depois, e da sua preparação para alojar os convidados, lavou-se, caiou-se, fez-se limpeza. Deu-se volta a gavetas e armários e levou-se tudo que não era necessário. Foi para o lixo o que ao lixo pertencia e os papéis velhos e inúteis foram lançados para dentro do forno de fazer pão, para queimar oportunamente.
Num momento de reflexão para avaliar o ponto dos preparativos, lembrei-me do dinheiro que havia de pagar a mobília e um pressentimento, quase certeza, fez-me correr para a gaveta onde o havia guardado. Mas a gaveta estava vazia. O dinheiro fora, com os restantes papéis, caminho do forno. Perguntei por ele, desvairado.
Não era para menos: aqueles cinco contos eram tudo quanto tinha.
Corremos para o forno. Felizmente ninguém se lembrara de acendê-lo. E as cinco notas de mil escudos, lá estavam, direitas, arrumadas dentro do envelope.
Passado o dia do casamento, terá sido das primeiras coisas que fiz, entregá-las ao vendedor da mobília. Para susto, já chegara.

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