domingo, 10 de agosto de 2008

Manhãs de domingo

Quando, nas manhãs de domingo, acordo, a claridade infiltrando-se pelas frinchas como quem me desperta para o dia que aí está, não bule um ruído, não se ouve uma voz, não passa uma viatura.
Parece cumprir-se, de modo integral, um dos mandamentos da Santa Madre Igreja, tal como o aprendi em miúdo, na catequese, o qual recomendava e impunha dever o cristão abster-se de trabalhos servis aos domingos e dias santos de guarda. E que bem que me apetecia, nesses tempos, tal abstenção…
Pois agora aí está, e aos domingos e dias santos de guarda, só tarde se inicia o ruído e desperta o bulício: uma porta ou uma janela que se abrem, já o sol vai alto; uma mulher ainda sem os preparos que hão de lhe realçar a beleza, ou disfarçar a falta dela; um homem de fato de treino – que de treino só se lhe aproveita o nome – e que se espreguiça como quem sacode os restos da noite. Mais tarde, em cima da hora do almoço ou já depois da família ter almoçado, vão surgindo rapazes e raparigas, bocejando, os olhos mais fechados do que abertos, chegados a casa após as voltas da noite, quando o sol já se anuncia perto, prestes a romper a neblina da madrugada.
E enquanto penso e dou mais uma volta na cama, na tentativa de disfarçar as dores que o desgaste dos ossos já provoca, vou passando em revista as manhãs dos domingos doutros tempos. Onde isso já vai…
Não havia, então, semana-inglesa e era inimaginável a semana-americana que veio institucionalizar a paragem ao sábado. O domingo era o dia único de descanso. Todos os restantes, sábado integral incluído, eram consumidos nas fábricas, nas oficinas, nas obras, oito horas por dia, quando não de sol-a-sol.
Ia-se à missa, oportunidade não só para cumprir o rito religioso mas também para encontro com vizinhos e amigos, troca de impressões, acerto de problemas. Mas antes disso, manhã cedo, já se passara pela horta a ver como estavam as “novidades” ou aproveitando para fazer a rega.
E já a mulher punha a roupa da semana de molho, se fosse caso da sua necessidade para o dia seguinte.
Os rapazes davam uma volta a saber onde havia bailarico ao fim da tarde, ou passando, como que por acaso, a mostrar-se a rapariga que lhes interessasse.
E as raparigas davam ajuda à mãe na preparação do almoço e embelezavam-se o melhor que podiam, interessadas em que alguém as visse à saída da missa.
Aliviando a tendinite do ombro direito, mudo de posição uma vez mais. E medito em como são diferentes, agora, as manhãs de domingo.
As minhas também. “Dá Deus nozes a quem não tem dentes”; a mim são as dores que não me deixam preguiçar na cama todo o tempo que me vai sobrando. Tempo que vem fora de tempo, no desconserto da nossa vida.

1 comentário:

Zé Ruela disse...

Caro MGL, não faço nenhuma questão de ser o inaugurador dos comentários do seu blogue mas parece que assim vai ser. Tropecei nele logo no seu início, não sei como, e colquei-o de imediato entre os favoritos passando a ser leitor assíduo e apreciador do seu estilo. Não há dúvida que as qualidades narrativas são bem videntes e, tanto a forma como o conteúdo, constituem um oásis na blogosfera.
Se me permite a observação, um estilo mais vívido, sobre o que viveu e não apenas sobre o que observa, seria ainda mais agradável.