quinta-feira, 31 de julho de 2008

O dinheiro para a mobília

Estava-se nas vésperas do casamento. Havia pouco com que festejar, mas o entusiasmo pelo dia que aí vinha, não era menor por isso.
Não era preciso acabar, à pressa, casa nova, mas importava embelezar, até onde era possível, a velha, que receberia os noivos. A azáfama era grande e o tempo, em tais alturas, sempre escasso.
A boda far-se-ia em casa da mãe. Já se faziam anunciar banquetes em bons e caros restaurantes, mas os meios não permitiam sonhar tão alto. Os convidados não eram muitos e também não estavam habituados a festejos de muito requinte. Era a família, a qual bem sabia quanto sacrifício a festa custava, não obstante a alegria com que se fazia.
Naquele tempo era assim. Na minha boda, como na de muitos mais, limitávamo-nos ao que havia; por mim cheguei onde consegui chegar.
A casa era modesta e o recheio ainda mais. Mas não importava; para nós, valia o mesmo. Evitara aventuras e despesas que não saberia como pagar. Ainda assim, o homem que me vendera a escassa mobília, pusera-me à vontade para que só lhe pagasse depois do casamento, e eu aproveitei a oferta. Era cerca de cinco contos e o dinheiro ficaria lá em casa a aguardar a passagem da festa. Nunca se sabia se iria surgir alguma necessidade.
No frenesim da arrumação da casa de onde iria sair dois dias depois, e da sua preparação para alojar os convidados, lavou-se, caiou-se, fez-se limpeza. Deu-se volta a gavetas e armários e levou-se tudo que não era necessário. Foi para o lixo o que ao lixo pertencia e os papéis velhos e inúteis foram lançados para dentro do forno de fazer pão, para queimar oportunamente.
Num momento de reflexão para avaliar o ponto dos preparativos, lembrei-me do dinheiro que havia de pagar a mobília e um pressentimento, quase certeza, fez-me correr para a gaveta onde o havia guardado. Mas a gaveta estava vazia. O dinheiro fora, com os restantes papéis, caminho do forno. Perguntei por ele, desvairado.
Não era para menos: aqueles cinco contos eram tudo quanto tinha.
Corremos para o forno. Felizmente ninguém se lembrara de acendê-lo. E as cinco notas de mil escudos, lá estavam, direitas, arrumadas dentro do envelope.
Passado o dia do casamento, terá sido das primeiras coisas que fiz, entregá-las ao vendedor da mobília. Para susto, já chegara.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

A obra do sétimo dia

Há muito, muito tempo, tanto que já ninguém se lembra e ao certo também não sabe quando, Deus povoou a terra com tudo quanto lhe deu na veneta. Era assim: não havia nada e Ele percebendo o jeito que tinha, criou, criou, criou... e encheu o planeta.
Mais ou menos, é bom de ver; outros vieram depois e também criaram, criaram, criaram... mas não inventaram coisa nenhuma. Umas cópias só. Mas sempre convencidos de que aperfeiçoaram de alguma forma o original, mais não fizeram do que reles sucedâneos de um modelo único.
Na altura, Deus fez os peixes e espalhou-os nas águas; soprou as aves para que se habituassem a viver nos céus; e pespegou o resto da criação na terra firme. E disse à multidão que acabara de inventar: governai-vos, que era como quem dissesse, cabem aí todos, arrumem-se, façam pela vida, mas não me venham com chatices, que se não fosse eu, continuariam eternamente menos que nada.
Cada um no seu canto, viveram assim, sossegados, quietinhos, muito, muito tempo. Não desarrumaram nada do que o criador tinha composto, e até tremiam se tinham de tocar-lhe. Não conspurcaram nada; não destruíram nada.
E quando se comiam uns aos outros, faziam-no no estrito cumprimento das ordens recebidas: Crescei! e também: Multiplicai-vos!
Um dos seres criados, - segundo rezam as crónicas, o último a ser criado – cedo se julgou superior a todos os outros, vivessem eles no ar, na água ou na terra. Tudo indicia que tinha razão para pensar assim, tais as mordomias de que beneficiava, ao ponto de Deus lhe ter dado um jardinzinho com horta e pomar agregados, onde só tinha que estender a mão para obter tudo o que queria. Ora, quem é que, em tais condições, não havia de achar-se rei da criação?
Mas logo, aí, fez asneira, porque, tudo o que queria, como atrás se refere, não era bem assim, visto que o Criador lhe impôs limites que ele não viu com bons olhos, e vai daí, sem ordem deitou mão à fruta que não lhe pertencia e zás! foi corrido e lá se foi a boa-vida.
Ainda assim, não se acabou ali a sua mania de superioridade. Condenado a ter que suar se quisesse comer, achou que havia de encontrar tansos à sua volta e, desse modo, foi procurando forma de ludibriar o parceiro; se fosse possível, que suassem outros para lhe satisfazer a gula e as manhas. De qualquer modo, havia de encontrar forma de se servir.
Olhou, por exemplo, para o mar e vendo a riqueza que ali estava, entrou por ele dentro – ou mandou entrar, que era mais fácil e menos perigoso - para que não lhe faltasse o peixe que lhe foi enchendo a pança e a carteira. Viu florestas verdejantes, prenhes de madeiras ricas que lhe dariam fortunas e sacou delas tudo quanto pôde, a pretexto das necessidades dos povos, e tornou as florestas em desertos. Cheirou-lhe a petróleo, indispensável à satisfação de necessidades que ele mesmo criou e então furou o chão e contaminou os ares a ponto de, aceleradamente, ir tornando a terra inabitável. A sua sanha exploratória fez fugir a água e transformou os rios onde os peixes abundavam nas águas que deleitavam os homens, em esgotos pútridos e focos de envenenamento para homens e para peixes.
Mas essa desgraça, que Deus certamente não terá previsto, logo deu nova ideia aos espertos: se a água não presta, recolhe-se a que ainda resta e vende-se. E foram-se a fontes e lagos e engarrafaram-na e venderam-na a quem tem sede, pelo preço que lhes apeteceu.
E foi assim que os bens que o bom Criador deixou, foram aproveitados pelos espertos e criativos. Aos outros mais não resta do que pagar para servir-se, servindo-os.
Vai restando, por enquanto, o ar que se respira. Mas, cada vez mais envenenado, não tardarão a engarrafa-lo e quem não quiser “bater o pernil” com falta do dito, há-de pagá-lo bem pago. Os oportunistas provarão que só o seu é bom, ao mesmo tempo que farão tudo para poluir o do vizinho.
Mas alegremo-nos porque restam ainda algumas obras da criação, certamente porque não conseguiram deitar-lhe a mão. Não será por muito tempo, esperem-lhe pela pancada.
É o caso do vento, por exemplo. Não fosse ele indomável e já o teriam encerrado entre quatro paredes, não deixando a mais leve brisa para quem não fosse do clube da ventania. E entretanto, o negócio das ventoinhas subiria em flecha.
E o sol, se pudessem haviam de açambarcá-lo e de nada valeria o desabafo do filósofo: ”não me tires o que não me podes dar”, ou a afirmação de que “o sol quando nasce é para todos”, pois já alguém teria descoberto que apanhar luz do sol não passa de um vício, e como quem não tem dinheiro não tem vícios...
E o que dizer dos raios e dos trovões? Não descobriram ainda forma de apropriação do barulho das trovoadas, talvez porque não é dos ruídos mais simpáticos, mas não fosse o medo de guardar em casa os raios que rasgam o céu de alto a baixo e já alguém teria encontrado forma de lhes reter a energia, para venda em frasquinhos ou granadas de arremesso.
Deus Nosso Senhor já terá dito lá com os cabelos brancos do seu bigode: Porque não dei eu por terminada a criação ao quinto dia?

terça-feira, 29 de julho de 2008

"Gaita! S'a lixe!"

Éramos seis rapazes entre o grupo de primos e primas que vivíamos à volta da casa do avô.
Por ali brincávamos, rebolando na terra do quintal, balouçando-nos nos ramos das figueiras à cata de figos do paraíso ou trepando às oliveiras na procura dos ninhos que os pardais faziam nas locas das arvores.
Notava-se alguma diferença na liberdade em que, uns e os outros, gastavam o seu tempo de brincadeira. Havia quem estivesse sempre na mira da requisição para isto ou para aquilo. Essa “rifa” era a que calhava, sobremaneira, ao meu irmão Manuel. Porque era o mais velho, porque era filho do pai que era, porque era preciso que se habituasse a trabalhar, toda a gente tinha o direito de lhe interromper a brincadeira, fosse para ajudar o Tio Zé na rega da horta, fosse para ir ao encontro do tio Miguel que vinha de Tomar montado na égua e não se precavera com guarda-chuva para o temporal que aí estava, fosse para ir despachar uma encomenda à estação.
- Manel, anda cá! E ele ia.
- Mexe-te! Acrescentavam, se não corria de imediato atrás da ordem.
À falta de melhor com que entreter, criáramos como brincadeira, uma imitação de negócio. Fabricávamos as notas – pedaços de papel com as importâncias escritas – e recortávamos dos jornais (escassos, nesses tempos) objectos que seriam os sujeitos do nosso negócio. Entre eles, dávamos preferência aos automóveis publicitados na imprensa. Então, cada um de nós tinha o seu património que negociava uns com os outros.
Sentados no chão com a mercadoria exposta, dávamos vazão à nossa veia economicista. Claro que, melhor, estava aquele que conseguia mais jornais de onde recortasse os automóveis.
Era brincadeira de miúdos com idades entre os onze e os seis anos.
Uma tarde lá estávamos todos reunidos, quando, sem pedir licença, o avô ordenou:
- Manel, vai l’além para ires com a Matilde à Asseiceira!
O Manuel sabia que tinha de ir, mas incomodava-o saber que era, ali, o pau-para- toda-a-obra. Entre dentes não se conteve:
-Gaita!
Só nós ouvimos o desabafo pois o mensageiro dera a ordem e abalara.
E ele num gesto de revolta, sacudiu as mãos e espalhou pelo ar os papéis que segurava.
- Que se lixe! E abalou amargurado, a cumprir o recado.
Parece que só o Armando, que era o mais novo, não entendeu aquele gesto, e nos seus seis anos, deixou uma censura ao primo:
- Gaita s’a lixe? Vende coisas e faz dinheiro!

segunda-feira, 28 de julho de 2008

O ataque das melgas

Preparei-me para dormir, bem-disposto. Após dez minutos de leitura calma com o som do rádio em fundo, sem gritos nem batuques e nem sequer uma interrupção dando notícia de guerra, assalto ou desastre, as pálpebras começaram a pesar em sinal de que devia dar por finda a jornada daquele dia.
Arrumado o livro e apagada a luz, aguardei o fim da peça musical, desliguei o rádio e eis-me, consolado, a procurar o melhor jeito de me entregar nas asas do sono.
E naquele ponto que ainda não é bem adormecimento, nem vigília, o meu cérebro acusa a presença de uma melodia, que ora se aproxima, ora se afasta, melodia que pouco a pouco se assemelha ao som de sirenes e já vejo o aproximar de bombeiros, os pirilampos das ambulâncias a brilhar. Agora já não são bombeiros, são polícias, zuuuum, zuuuum... e acordo.
Não são bombeiros nem são polícias, não senhor, é uma melga que resolveu incomodar-me, e mais nada.
Sacudo o lençol para afastar a intrusa e preparo-me para adormecer de novo.
Mal me consertava sob o lençol e... zuuuum, zuuuum, lá estava ela outra vez, bem perto do meu ouvido. Estás no ponto, pensei, e desfechei com quanta coragem tinha uma sonora bofetada na minha própria cara, que a melga estava mesmo a pedi-las. Desconsolo: ficou-me a cara a arder, mas de melga nem sinal.
Se ela tem vergonha, pensei eu, já viu que não lhe vou dar descanso. Zuuuum, zuuuum...
Viro-me de novo na cama, tapo a cara com o lençol, mas nem assim; chega a parecer-me que a malvada se introduz por debaixo da roupa.
Então tomo uma decisão: acendo a luz e vou procurá-la por tudo quanto é sítio pelo quarto fora. Lá está ela, pousada na parede, meia encoberta com o cortinado da janela. Olá! Já vás ver como elas te mordem! E puxando da almofada, atiro-lha acima com quanta força tenho. E foi com um sentimento de vitória que a vi espaparrada na parede, envolvida numa mancha de sangue.
Sangue meu! penso, e fico ainda mais contente por ter dado cabo da intrusa, da vampira que transfegara das minhas veias para a sua pança, parte de mim próprio.
Que não choque ninguém a minha afirmação, mas não gosto de melgas! Que é que querem, não gosto! Prefiro mil vezes as abelhas e digo porquê: a abelha é um ser quase civilizado. A abelha tem convicções, tanto assim que morre logo que nos morde (ou pica?). Ora, só alguém convicto dos seus princípios e certo dos seus propósitos, procede assim. A melga não, mói-nos o juízo com o seu sibilar permanente, incomoda-nos com os seus voos rasantes sobre a nossa cara, desenvolve-se em locais pútridos e chupa-nos o sangue pela calada da noite, em plena escuridão, de forma cobarde. A abelha é diferente e porque tem outros princípios, trabalha de dia e repousa de noite; faz alguma coisa de jeito, afinal.
Era cogitando nestas verdades que ia agora descansar por fim. Nada pior do que aquela angústia, aquela incomodidade, de querer dormir e um insecto mesquinho, desprezível, uma coisa minúscula, não nos deixar.
Ah que calma, que sossego.
Volto-me para o local onde matei a melga e vejo agora a mancha de sangue a crescer, a crescer, e dois olhos que se desenvolvem e me fitam, ameaçadores. Estremeço, levo as mãos à cara e oiço de novo, zuuuum...zuuuum...zuuuum. e pela música, agora é mais que uma. Acendo a luz e nada, sumiram-se. Tento de novo dormir e qual quê? a ameaça é cada vez maior. Apercebo-me de cada vez que fico às escuras, que elas vêem lançadas em voo picado, do tecto em direcção ao meu rosto. Mas mal acendo o candeeiro elas somem-se, eclipsam-se, mas logo regressam, as malditas.
Sinto-me tentado a desistir, e não tivesse este problema de falta de ar, escondia-me de todo debaixo do cobertor.
Tudo me leva a acreditar que vieram para vingar a irmã ou talvez para lhe fazer o velório. Se calhar as melgas não são assim tão selvagens como eu pensava.
Incapaz de vence-las, saio da cama, tranco a porta e fecho-me no outro quarto, sempre às escuras, talvez elas não se apercebam da minha fuga e não tenham tempo de me perseguir.
Boa-noite.

Quando já somos nós o passado

Conheci a minha terra quando as ruas não eram ainda classificadas como tal, na sua maior parte tituladas de casais.
Veio depois, com o progresso, a distribuição de correio, e com ela a necessidade de se baptizarem ruas e becos. Daí que quem tenha para baixo de quarenta anos, ignore, em parte, os nomes por que esses casais eram conhecidos.
Durante metade da minha vida identificava-os assim: Casal dos Fangueiros, Casal dos Salvadores, Casal das Peraltas, Casal do Mota, Casal dos Carlotos, Casal dos Rafaéis.
Cada um destes casais terá a sua história e explicação para o respectivo nome. Interessa-me porém, e por agora, o último: Casal dos Rafaéis, por ser aquele a que estou ligado por laços e tradição familiares.
De Casal dos Rafaéis foi transformado em Rua de D. Gastão, antes ainda da atribuição de números de polícia à aldeia. Não sei de onde veio este D. Gastão, não faço qualquer ideia quem foi ou que ligação terá tido com o sítio. Mas ela existiu, de certo, visto que aparece em documentos oficiais, não sendo por isso, e segundo me parece, simples fruto de fantasia local. De qualquer modo, Casal dos Rafaéis tem teimado em manter-se, tendendo, porém, a ficar-se pela actual geração na medida em que os seus moradores deixaram de ter afinidades, mesmo longínquas, com a razão e origem daquele nome.
Rafaéis eram os meus antepassados por parte da avó materna. Rafael terá sido um trisavô, dono de parte – ou do todo – dos terrenos que envolviam a passagem que ficou como casal dos rafaéis.
Desde os limites a nascente, adjacentes ao Casal dos Salvadores, até aos que, a norte, davam para o Casal das Peraltas, era terra de cultura desses antepassados marcada, de certo, pela casa de habitação aí construída.
Deduzo que seria o avô da minha avó Vitória (Rafaela) o dono e porventura o morador primeiro desse casal.
Que seria Rafael, de nome ou de apelido, parece atestá-lo os nomes daqueles que ainda vim a conhecer.
A minha avó construiu aqui a sua casa na parte mais baixa do casal, enquanto umas primas dela, a Júlia e a Maria, habitaram mais acima. Sei que o pai destas mulheres se chamava Manuel Rafael e a filha Júlia era conhecida por Júlia Rafaela. Do meu bisavô não sei exactamente o nome mas se uma das filhas sendo Vitória da Conceição era mais conhecida por Vitória Rafaela e uma sua irmã dava também pelo nome de Olinda Rafaela, só podem descender, imediatamente, de um Rafael, penso eu.
Nada mais natural portanto, e naquela época, do que chamar-se a um sítio destes, Casal dos Rafaéis.
Claro que, de alto a baixo, começam a ser raros os que têm alguma afinidade com essa família, a qual, tudo o indica, foi a proprietária exclusiva desta zona, ao longo e desde o início do século dezanove.
Segundo me consta, até a parte norte da propriedade, na confluência a sul com a estrada, terá sido cedida pelo meu bisavô a um primo que era mudo, para ali construir a sua casa, depois de ter sido ajudado a criar, juntamente com outro irmão, também ele mudo, por esta família. É essa a razão porque aparece a conhecida casa do mudo lá no alto, a misturar-se com as casas da família dos Rafaéis.
Uma geração mais e ter-se-á apagado das memórias a razão de ser deste e de outros nomes, sobretudo quando se engendram planos toponímicos alheios a preocupações tradicionais - e culturais também – preocupados antes de mais com a satisfação de vaidades ou de favores.
Importava que, tal como estas, se não apagassem outras recordações pois de pequenas coisas se compõe a história de um lugar, e é quando se pretendem ou delas se necessita, que se percebe o valor de uma informação para sempre perdida.
Que saberá dizer do lugar onde mora o senhor António que adquiriu a casa do tio Rafael Garcia? E o que sabe o Sandro da Casa Cardador, onde habita? Porventura alguém lhe terá explicado que esse Cardador era o marido de uma neta do Manuel Rafael e filha da Júlia Rafaela, a Guilhermina?
E os terrenos de um e do outro lado da estrada, que eram do Francisco Dionísio, casado com a citada Júlia, e que foram penhorados por dívida a um chamado Palatruz, de Santa Cita, parte dos quais estão agora na posse do Sérgio Rosa e do irmão António e onde o primeiro construiu a sua casa. Saberão eles que há perto de duzentos anos aqui morou um tal Rafael que originou o nome tradicional da rua?
Mais acima eras o quinhão do Francisco Marques (Peixe) que casou com a Maria, também filha do Manuel Rafael. No local onde esteve a sua casa vive agora, em casa nova, o Teodoro. Do outro lado da rua foi a casa do Francisco Peixe (filho) e se uma parte é ainda morada de descendentes da família, outra há que já passou de mãos.
São pedaços da vida de um sítio que não conseguimos evitar que venham ao de cima quando os agitamos.
Como eu gostava que outros, noutros casais, noutras ruas, noutros sítios, não deixassem afogar no esquecimento factos e memórias que permitam compor o puzzle que dá corpo à nossa terra. E não há que esperar: quando mal nos descuidamos já não há “mais velhos” que nos contem o passado, porque o passado, convenhamos, somos já nós.