sexta-feira, 1 de agosto de 2008

No arrumar da palha

No final do verão, amadurecido o trigo, trazia-se para a eira e, à falta de outros meios, juntavam-se os homens da família, os quais, postados em duas filas, frente a frente, batiam a palha com os manguais para que o grão se soltasse e também para cortar a palha que havia de alimentar os burros ao longo do Inverno.
Não se podendo dizer que era comunitário, o palheiro feito em arrecadação do patriarca da família, já os animais serviam quem deles necessitava. Não se regateava, por isso, a colaboração para a malha do cereal.
Já o arrecadar da palha, se o tempo não prenunciava risco de trovoada, ficava na eira ao cuidado das mulheres que, pouco a pouco a arrumavam.
Todos os braços eram úteis e as crianças colaboravam também nesse serviço.
Joel e Silvina iniciadas as férias, estavam disponíveis para esse trabalho que, segundo a família, não quebrava osso. Um e outra, por força dos anos perdidos em tempos tais que, mais prioritário que a escola era a ajuda no trabalho do campo, tinham terminado, havia pouco, a instrução primária com doze anos feitos.
Camaradas de brincadeira, vivendo porta com porta, dispensavam perda de tempo na procura um do outro, fosse para brincar ou para os trabalhos que lhes destinavam. As mães entendiam-se e requisitavam-nos sem problemas: Joel, anda cá! Silvina, traz aí a manta e vão começar a trazer a palha da eira!
E eles aí iam. Sem alergias, que ao tempo não havia – quando muito, coceira, nada que umas chapadas de água não resolvesse – ei-los rebolando em cima da palha, até que alguém chamava a atenção: Isso é para fazer! Parem lá com a brincadeira!
Com a forquilha puxavam a palha para cima da manta e lá iam, segurando-lhe nos quatro cantos, despejá-la na arrecadação. Trabalho que já conheciam de outros anos, quando era obrigação de irmãos mais velhos; calhava-lhes agora a eles.
Entre correrias, saltos e risos, a eira foi-se despejando e a palha ficou arrumada na arrecadação. Joel e Silvina dançaram sobre ela, saltaram de mãos dadas, ora caindo, ora levantando. Até que Joel caiu sobre a amiga, os rostos tocando-se.
Todo o seu corpo estremeceu numa sensação nova para ele e, instintivamente, puxou-a para si. Silvina, sem saber bem porquê afastou-se com delicadeza ao mesmo tempo que puxava para baixo o vestido que subira, deixando-lhe destapadas as coxas de menina.
Não disseram nada, não se justificaram, não pediram desculpas – que desculpas não havia a pedir – e seguiram para casa, terminado que estava o trabalho para esse ano.
Joel, como que desconhecendo-se a si próprio, sonhou com o ano seguinte, quando houvesse que repetir-se a arrumação da palha. Mas Silvina terminara ali as suas brincadeiras inconsequentes com o amigo.
A inocência de ambos voara sem que eles soubessem como, com aquele último rodopio sobre a palha de trigo.

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